domingo, 14 de dezembro de 2008

Guiné Bissau: 20 Etnias num só Estado


Guiné-Bissau. A antiga colónia portuguesa, que proclamou unilateralmente a sua independência em 1973 após ter pegado em armas contra o poder estabelecido, conta com cerca de 1,7 milhões de habitantes dispersos por um universo de mais de 20 etnias que confessam três religiões, duas delas monoteístas
Vinte etnias unidas num Estado
Fulas, mandingas, balantas. São apenas os nomes de algumas - as mais importantes - das mais de 20 etnias que habitam o território da Guiné-Bissau. Palavras, nomes com uma sonoridade muito própria que têm a capacidade de despertar no imaginário de cada um imagens e aromas que só África é capaz de proporcionar.A origem de tais povos perde-se no tempo. Antes da chegada do europeu, que procurou aculturá-los, já eles migravam e se instalavam em regiões que escolhiam ou onde as circunstâncias os forçavam a ficar - no interior ou no litoral -, adquirindo, em consequência, caracteristicas específicas ou reforçando as que os identificavam. Por exemplo, na Guiné-Bissau de hoje - com os seus cerca de 1,7 milhões de habitantes - ainda é possível distinguir entre os povos do interior e os do litoral. No primeiro caso encontramos, entre outros, mandingas e fulas, em que predomina a religião islâmica - hoje praticada por 45% da população e que sobreviveu à acção dos católicos portugueses. Estas etnias , em especial a dos fulas - organizada desde cedo num estado centralizado -, tiveram um papel específico na luta de libertação nacional, liderada pelo Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) de Amílcar Cabral. No litoral, onde predominam balantas, beafadas e bijagós, a vida era mais fácil, daí a ausência de necessidade de uma organização centralizada. Entre estes impera a religião animista, ainda hoje praticada por 50% da população.Na passada semana e três décadas após a independência, os 600 mil eleitores do jovem Estado escolheram os seus representantes ao Parlamento. Mandingas? Fulas? Balantas? Sim, mas essencialmente guineenses.




SAP

domingo, 7 de dezembro de 2008

Relações de parêntecos na Etnia Palikur;




No grupo doméstico, observam-se laços de cooperação e obrigação bem definidos, especialmente na relação entre genro e sogro. A autoridade do sogro sobre seus genros é reforçada pela regra de residência uxorilocal. Sendo assim, um genro só muda de status quando casa suas filhas, tornando-se um sogro.
A descendência, por sua vez, é determina pela linha paterna, e é esta regra que define com quem se pode e não se pode casar. Os Palikur apresentam-se divididos em seis subgrupos patrilineares, todos referidos a uma origem na qual dividiam-se em "raças" ou "nações" (segundo sua própria explicação) diferentes, e são traduzidos tanto para o português quanto para o francês na forma de sobrenomes. São estes: Wayvuene ou "raça da lagarta" (em português, constitui o sobrenome Ioiô); Wakavuyene, "raça do esteio" (sobrenome Batista); Kawakyene, "raça do Ananás" (sobrenome Labonté); Paymiune, "raça da piramutaba" (sobrenome Guiome); Wadahyene, "raça da lagartixa" (sobrenome Iaparrá); e Waxyene, "raça da montanha" (sobrenome Antônio Felício). A nominação dos subgrupos é transmitida pelo pai e é imutável. Portanto, a mulher, mesmo após o casamento, permanece vinculada ao subgrupo de seu pai, ao passo que seus filhos pertencem ao subgrupo de seu marido. É expressamente proibido casar com um membro do mesmo subgrupo.
Tanto do lado brasileiro quanto na Guiana Francesa, a denominação do subgrupo possui versões em português e francês. Isto se deu, primeiro, pela ação de padres católicos que visitavam a região ministrando o sacramento do batismo e aplicando sobrenomes cristãos, e, mais tarde, através dos registros de nascimento, necessários para comprovar as nacionalidades brasileira ou francesa. Apesar de adotarem nomes e sobrenomes exógenos, os Palikur mantêm prenomes em sua língua e os sobrenomes estão todos relacionados a um dos seis subgrupos. Por causa de mal-entendidos e, muitas vezes, da má vontade dos encarregados dos registros civis, existem alguns subgrupos que possuem mais de um sobrenome referidos a eles. É o caso do Wayvuene, que, em português, pode ser Ioiô, Orlando, Hipólito, Leon Paulo ou Martiniano. Desde 1998, o nome em português do subgrupo da mãe passou a ser incluído no registro de nascimento como nome do meio, ao modo brasileiro.





Patrícia Rodrígues
Sara Alves

A etnia Palikur


O porquê deste nome: Em 1513, o viajante espanhol Vicente Yanez Pinzon relatou em Sevilha ter encontrado uma numerosa população indígena na região ao norte da foz do Amazonas, que foi denominada Província Paricura, em alusão aos seus habitantes. Após esta primeira menção, os índios actualmente conhecidos como Palikur foram diversas vezes mencionados nos relatos e mapas de viajantes dos séculos subseqüentes, designados a partir de corruptelas do mesmo nome, como Paricuria, Paricura, Paricores, Palincur(s), Palicur, Palicours, Paricur, Pariucur, Parikurene, Parikur, Parincur-Iéne e, finalmente, Palikur.
Quando se referem a si próprios, os Palikur são na verdade Pa’ikwené, "o povo do rio do meio", em alusão à posição geográfica do rio Urukauá, que fica entre os rios Uaçá e Curipi. Pa’ik é uma derivação de Aúkwa, e significa no meio (quando traduzido para o português torna-se Urukauá); (w)ené é um sufixo auto-explicativo, que, neste caso, denota gente. Tanto para os Palikur que vivem no Brasil quanto para os da Guiana Francesa, o rio Urukauá é considerado sua terra de origem.Mas, apesar de se autodenominarem Pa’ikwené, são atualmente mencionados na literatura e conhecidos na região como Palikur. O uso do termo Palikur como etnônimo foi forjado no convívio com os não-índios e com as outras etnias da região. Para os Pa’ikwené, Palikur é um sinônimo de índio, sendo usado para referir-se a qualquer outra sociedade indígena.



A sua língua:Os Palikur falam o Pa’ikwaki, uma língua filiada à família lingüística Aruak. Entre as etnias que vivem na região do Uaçá, apenas eles e os Galibi-Kaliña falam uma língua propriamente indígena; os Karipuna e Galibi-Marworno, por processos diferentes, adotaram o patois, proveniente do crioulo francês, como língua indígena diferenciada.
A maioria dos homens Palikur, jovens e adultos, e algumas mulheres também falam o patois, mas restringem seu uso às relações comerciais, políticas e sociais experimentadas fora das aldeias ou, eventualmente, no contato com algum visitante que fale esta língua. Quando perguntados se falam o patois, costumam responder que não, pois são "índios de verdade", marcando sua diferença em relação aos falantes desta língua.
Do lado brasileiro, a maioria dos jovens (homens e mulheres) escolarizados e alguns homens adultos também falam o português. Na Guiana, o francês é a segunda língua, a escola é francesa e não existe ensino diferenciado. A influência do francês é maior, pois o processo de escolarização segue pelo menos até o segundo grau, enquanto no Brasil o ensino, até recentemente, era interrompido no final do primário por falta de professores
.



Onde se localizam:Os Palikur estão divididos entre os dois lados da fronteira Brasil/ Guiana Francesa. Em território brasileiro, estão localizados no extremo norte do Estado do Amapá, no perímetro do município de Oiapoque, na região da bacia do Uaçá, um tributário do rio Oiapoque. São os habitantes mais antigos dentre as populações que atualmente vivem na região do baixo Oiapoque (Karipuna, Galibi-Kaliña e Galibi-Marworno). A região, segundo dados arqueológicos e fontes históricas, foi, até a invasão européia, toda ocupada por populações aruak. Hoje em dia, os Palikur são os únicos representantes dessa ocupação.
As aldeias do grupo distribuem-se ao longo do rio Urukauá, afluente da margem esquerda do rio Uaçá. Seguindo o rio Urukauá de sua cabeceira até próximo ao curso médio, observa-se uma vegetação de terra firme, mas, a partir deste ponto, em direção à foz, a vegetação muda e é tomada por campos que se mantêm alagados no inverno ou período de chuvas e, no verão, secam. Esses campos são entrecortados por tesos, nos quais estão localizadas as aldeias.
Na Guiana Francesa, os Palikur vivem principalmente dentro do perímetro urbano da capital, Caiena, e na cidade que faz fronteira com o Brasil, Saint Georges de L’Oyapock, em bairros construídos pelo governo para abrigá-los. Fora das cidades, vivem em aldeias localizadas na margem esquerda do baixo rio Oiapoque.
As terras ocupadas pelos Palikur no Brasil fazem parte da Área Indígena Uaçá I e II (homologada em 1991, decreto n º 298 de 29/10/91, DOU 30/10/91, com 470.164 ha). Contíguas a esta área estão as Áreas Indígenas do Juminã (homologada em 1992, decreto s/n º de 21/05/92, DOU 22/05/92, com 41.601 ha), habitada por famílias Karipuna e Galibi-Marworno; e, do Galibi do Oiapoque (homologada em 1982, decreto n º 87844, DOU 22/11/82), terra dos Galibi-Kaliña. Em seu conjunto, essas áreas indígenas representam as Terras Indígenas do Oiapoque.



Demografia:Como registrou o navegador Vicente Y. Pinzon, os Palikur eram suficientemente numerosos no início do século XVI a ponto de emprestar seu nome ao território que ocupavam. Entretanto, chegaram ao século XX com a população bastante reduzida devido a diversas epidemias, aos caçadores de escravos e, por serem considerados aliados dos franceses, ainda terem sofrido a perseguição das "Tropas de Guarda-Costa" portuguesas. A retomada do crescimento populacional ocorreu ao longo do século XX. Comparando os números do censo registrado sobre os Palikur do Urukauá em 1925 (Nimuendajú, 1926), no qual a população total era de 186 pessoas e o Censo de 1998, que registrou um total de 866 pessoas (FUNAI – ADR/Oiapoque), nota-se um aumento populacional de 365%. Desde a delimitação do marco de fronteira entre Brasil e Guiana Francesa, os Palikur dividiram-se entre os dois lados da fronteira. Mas, apesar de estabelecerem núcleos fixos de população em cada um dos lados, jamais deixaram de realizar viagens de barco para visitar seus parentes transfronteiriços. Seja para fazer comércio, visitar os parentes, passar férias ou uma temporada para conseguir algum dinheiro, sempre há algum motivo para deslocar-se para a Guiana ou vice-versa.
Apesar de conviverem com as outras etnias da região, observa-se entre os Palikur uma tendência endogâmica em relação à etnia. No entanto, não são rigidamente fechados a casamentos exogâmicos, como atestam os nove casamentos com mulheres Galibi-Marworno, num universo total de noventa e sete casamentos observados na aldeia Kumenê.
Pelos dados de 1994 (A. Passes, 1998) a população Palikur na Guiana Francesa era quase 48% do total, demonstrando um equilíbrio na distribuição, que se mantém nos últimos anos. O crescimento vegetativo está em torno de 20% por década, e não há registro de nenhuma migração significativa, somente os traslados freqüentes entre o Brasil e a Guiana Francesa.





Patrícia Rodrigues
Sara Alves

sábado, 6 de dezembro de 2008

O casamento cigano :

O casamento entre os ciganos Rom Lovara é decidido numa reunião de homens.
Um dos participantes do conselho dirige-se a outro anunciando o desejo de "comprar" uma esposa para seu filho.
O pai de alguma moça disponível para casamento apresenta sua oferta em ouro ou em dinheiro. O pai do rapaz que fez a proposta não pode recusar a soma pedida. Para evitar qualquer constrangimento, a notícia da decisão da "compra" da noiva circula meses antes na comunidade de sorte que, no dia da reunião, ambos os pais já sabem qual será o preço da transação.
Acertada a quantia, o pai da moça oferece ao "comprador" uma garrafa de uísque rodeada de uma corrente de ouro. Depois chama a filha para que ela dance ao futuro sogro uma coreografia chamada
"Romanês".
A data da cerimónia é acertada. Ambas as famílias alugam um salão para os três mil convidados em média que comparecem a esse evento. Quem dirige a cerimónia do casamento é o ancião da tribo. Ele recita orações quando corta delicadamente os pulsos dos noivos com uma lâmina. Depois junta-os para consumar a "união de sangue". Os convidados gritam "Brau!" (Viva!). Então o pai da noiva diz em língua romani essa declaração ao pai do rapaz:
- Sardento murrachá en surisardento, sararakêsa gadiá avelato. Gardiá sararakessa avela tu borí. Nassunakai nai galbi kaidalto umassi morrorat" ( Eu te dei a minha filha em casamento, mas um dia posso pegá-la de novo. Se cuidares dela terás nora. Não é dinheiro e nem ouro que te dou, mas sim um sangue meu).
Os jurados aplaudem no momento em que o pai do rapaz beija a noiva do filho. O ancião da cerimônia fala nesse momento:
- Messolaráu kessim pekakoabiaú me sai putráu o abiau, sarmé likau ke pukinel laxiar. ( Eu testemunho que estou presente neste casamento e mais tarde posso ver o final dele. Como ele está vendo, diz o ancião olhando para o pai da noiva, a filha está paga).
O idoso beija os cônjuges. Os convidados batem palmas e gritam novamente Brau! Eles já estão casados. A orquestra começa a tocar várias "kaiaskê romanês (músicas de entretenimento). Começa a grande festa de três dias e três noites.
Uma das músicas do repertório é "Nonô nanê gaji" (Não queremos mulheres não ciganas). A letra é assim: Nonô nanê gaji // Barô lajau kan keresa // Barô manguin kanpukinasa // Galbenta mesuriuto // Chatraça kancarasa // (Tradução: Não queremos mulheres não ciganas // É uma vergonha para nosso povo // Vai sair uma fortuna para nós // Com ouro vou te casar // Com o casamento que vai ser feito).
Outra música é um sucesso internacional. Trata-se de "Tchumiden". A letra é assim: "Tchumiden // Tchumiden mabut // Sarsas katchiariat e primero data // Tchumiden // Tchumiden mabut // Sorsas me sarasadento ek data//. O leitor não conhece essa música? É o famoso tango "Besame Mucho" (Besame // Besame Mucho // Como fuera esta noche la última vez // Besame// Besame Mucho// Tengo miedo de perderte otra vez).
No terceiro dia após a cerimônia de casamento é dada uma trégua na grande festa: os convidados esperam o resultado do ritual do desvirginamento. Os recém-casados manterão relações sexuais diante de uma comissão de parentes.
A cerimônia tem versões diferentes conforme as tribos. Há comunidades ciganas em que o desvirginamento é feito pela própria tia. A mulher introduz o dedo na vagina da sobrinha com o objetivo de tentar romper o hímen e provocar sangramento. Passa-se um pano na genitália para que se manche de sangue, uma prova da pureza da moça que é dada ao marido.
Os recém-casados são despidos. Quando o rapaz for inexperiente (muitas vezes o noivo é um jovenzinho que nem tem 14 anos de idade), os homens da comissão lhe ensinam "como fazer". Durante o ato sexual o casal é assistido pelos parentes que nem equipe de gravação de filme porno. As mulheres, quando notam que a moça não quer ceder, seguram-na e mantêm as pernas dela abertas enquanto uma cigana segura o órgão sexual do rapaz, direcionando-o à vagina da jovem.
Consumada a penetração, passa-se um pano branco para recolher o sangue. Se não houver sangramento ou qualquer prova concreta de que a moça é virgem, o noivo pode decidir se a aceita ou não
. A frase de recusa é:
- Ertinangê ke me tigenauas godiabuki. (Senhores, desculpem-me. Nem eu sabia o que estava acontecendo).
Nesse caso o casamento é desfeito e se instala um clima de guerra entre as famílias: a moça é punida com uma violenta surra do pai que, nessa história toda, tem de devolver o ouro pago pelo casamento.
Se o rapaz quer a noiva apesar dela não ser virgem, ele comunica à comissão:
- "Apô kanai voi cheibari melaula gadiá sarçi" (Já que ela não foi "moça", eu aceito do jeito que ela é).
Nesse caso, o pai está impedido de dar uma surra na filha, mas tem de devolver o ouro ou o dinheiro recebido pelo casamento do mesmo jeito. Em todo caso, fica com a reputação manchada. Afinal, para os ciganos, a virgindade é o símbolo da honra da família.

Patrícia Rodrigues